Um Dia Qualquer

 Naquela manhã ensolarada e fria, peguei a moto e fui dar uma volta por aí. Peguei estrada e algo me dizia que eu deveria seguir para o Guarujá.

Em uma das paradas pelo caminho, fiz uma reserva numa airbnb da Praia do Tombo onde eu passava as férias de infância.

Chegando lá me instalei e fui dar uma volta de moto pelas praias, mesmo com aquela garoa que prometia deixar o tempo mais frio. No caminho encontrei uma simpática cafeteria, pequena e interessante por seu ar de antigamente. Parei a moto, desci com o capacete na mão e entrei. Várias pessoas sentadas conversando e o cheiro do café quente exalando pelo ar e mesmo que eu não tomasse café, era um convite para beber algo quente e reconfortante.

Arrumei uma mesa num local estratégico, de onde eu via todo mundo que estava sentado e quem entrava pela portinha verde musgo da cafeteria. Tirei a jaqueta, acondicionei o capacete em uma das cadeira, me sentei esperando ser atendida. Naquele momento entre esperar um funcionário, olhei em direção à porta próximo do ar condicionado, e vi um homem de cabelo grisalho sentado meio que de costas para mim. Não sei porque os meus olhos foram levados à ele, mas no pulso do braço esquerdo ele tinha algumas pulseiras e um relógio que eu os reconheci.

Fiquei observando-o até que ele se mexeu na cadeira como se algo estivesse o incomodando, ele se virou para mim e nos entreolhamos. Ele me cumprimentou admirando o que via em minha direção, fez um gesto em se aproximar, se convidando para se sentar à minha mesa e eu o convidei para vir.

Ele pegou sua garrafa de água com gás, a xícara de café e a pequena pasta que parecia ter documentos e foi em minha direção.

"Pensa no homem cheiroso", precisava incluir este detalhe. Ele estava bem arrumado, camisa branca e calça bege, sapato combinando, cabelo bem cortado, simplesmente elegante na simplicidade.

Assim que ele se aproximou, me cumprimentou me dando os parabéns pela bela moto que me viu descer e disse "a quanto tempo que não nos vemos". Dali por diante conversamos sobre tudo, dos nossos encontros antes da pandemia, das vezes que saímos, das nossas conversas e o que ele aprendeu comigo. Enquanto eu ouvia, pensava será que ele não vai falar da mancada que ele deu quando sumiu, da única vez que ele mentiu para mim e eu o peguei no pulo da vaidade? Ah, eu não quero brigar com ninguém, mas seria tão bom ouvir ele dizer sobre seus erros, assumindo o que fez para o nosso relacionamento terminar.

Enquanto eu tomava um gole de chá e mordia a tenra torta de maçã verde, meus pensamentos viajavam naquela voz, meu Deus do céu, aquele perfume inebriante, a voz do pecado, Deus me ajude...

Foram horas de conversa até que ele disse que precisava ir embora, pegou a pasta, levantou-se da mesa, me deu um aceno com a mão, disse que foi bom me ver, virou as costas e em direção a porta ele saiu...

Eu continuei olhando para lá na esperança dele voltar, mas não voltou. Terminei de comer, paguei e saí. Vesti minha jaqueta, coloquei o capacete, liguei a moto, vesti as luvas e vi ele caminhando pela orla. Eu buzinei quando o vi, ele se virou num sinal de mão para eu esperar, foi correndo em minha direção, me entregou um papel com seu contato e disse "me manda um zap".

Na incoerência dos atos, eu segui até o apê que ficaria até domingo, pensando em voltar para casa antes do fim de semana acabar. Pensava no encontro, na nossa vida antes de tudo isso, na mentira que terminou o que estava começando, na possibilidade dele estar com alguém..

Cheguei, deitei e dormi profundamente. No dia seguinte levantei bem disposta, fiz meu café da manhã, me arrumei para caminhar, levando o essencial, documento e cartão na cintura, saí sem o celular para não ter dissabores. Assim que cheguei no apê encontrei a Guida, uma amiga de infância que tem apartamento na mesma praia que eu estava. Conversamos um pouco e ela me convidou para treinar numa praia mansa ali perto. Peguei mochila e fui no horário marcado.

Chegando em Guaiuba lá pelas 10h encostei a moto perto de um restaurante beira-mar e fui me encontrar com ela numa guarda sol da sua família onde batemos um papo e saí para nadar com ela.

Horas depois, assim que voltamos para a areia, quem estava ali do ladinho da gente? Ele maravilhosamente em uma sunga branca, todinho musculoso com seus 58 anos de idade com um mulher do lado. Nos cumprimentamos com um balanço de cabeça e cada um foi para seu canto. em certo momento do dia, ele me manda uma mensagem, dizendo se podíamos nos falar mais tarde, num instante não respondi, mas logo em seguida ele disse, ela é uma amiga, quero falar com você antes que você suma". Eu ri, quem sumiu foi ele, depois do nosso desentendimento. O que foi amor, morreu. O que foi carinho, acabou. O que foi confiança virou veneno. O que foi vinho, virou vinagre. Nós dois sofremos de maneiras diferentes, até ele voltar dez meses depois, querendo me ver como se nada tivesse acontecido. Eu o ignorei. Ele me responde assim: "eu sei que você não quer falar mais comigo, eu fui sacana com você, mas quero me redimir". E, meu cérebro pensava, como ele quer se redimir, se ontem ele saiu do café sem falar nada de um novo encontro, se despediu e saiu. Se naõ fosse eu buzinar para ele, jamais me daria seu contato novo e pediria para eu falar com ele de novo, e se ele tivesse pedido meu contato e mandasse um oi; não foi nada disso que aconteceu.

Eu fui embora da praia, não queria ficar no mesmo ambiente que ele, mas ao mesmo tempo não queria deixar essa oportunidade passar. Voltei até a areia, fui até o seu guarda-sol, pedi licença para mulher que estava sentada com ele lá, claro que ele se assustou, pediu licença e me falou "mais tarde a gente se fala". Eu disse que ele me encontrasse às 16 horas no café que nos encontramos para essa conversa, virei as costas e fui embora.

Mais tarde lá estava eu sentada na moto na frente do café quando ele chegou no horário marcado. Vamos conversar, ele perguntou e num aceno de cabeça eu concordei. Entramos no café, nos sentamos numa mesa mais reservada, quando ele perguntou o que eu queria beber e enquanto esperamos nosso pedido, ele começou: "quero me desculpar com você sobre tudo, sobre a mentira que te contei, sobre eu ter te enganado, sobre o sumiço e o retorno, sobre tudo que ele considerava perverso da parte dele. Falou por horas sobre tudo incluindo seu casamento fracassado e sua tristeza.

Deixei ele falar por horas, sem discutir, somente ouvindo e observando se toda aquela conversa era honesta ou mais uma de suas palhaçadas. Quando ele acabou, perguntei se ele tinha acabado e se ele ia me ouvir sem sair correndo, me deixando falar sozinha. Eu simplesmente disse "o que você sentiu quando sumiu e o que você sente hoje nesse reencontro?". "Eu não estava preparado para você e hoje não estou pronto para recomeçar".

Silenciei, o que eu responderia? Pensei entre um gole de água e um suspiro de angústia, sem saber o que dizer. Ele naquele silêncio "você não vai dizer nada?"

Então quebrei o silêncio dizendo que ele tinha me proporcionado experiências incríveis, que eu não tinha vivido por vinte anos em outro relacionamento e que em quatro meses minha vida tinha tido momentos inesquecíveis, porém quando descobri toda verdade de sua desonestidade sem a oportunidade de escolha, já sabia que você não estava pronto nem para escolher o que fazer da sua vida, quanto ter responsabilidade afetiva com uma mulher como eu. Hoje minha prioridade era sobre a minha felicidade e não um homem pela metade. Nosso reencontro foi bom, até mesmo para eu ter mais certeza da minha escolha, boa sorte na sua vida de m*, essa que você está escolhendo ser infeliz e pela metade. Hoje eu sou inteira e me vejo caminhando pelo mundo com a vida fluindo. Desta vez fui eu que me levantei da mesa e saí sem olhar para trás.

Imagem: canva.com

 


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