Rubi

 Em cima da floreira do alto da serra, dois gatos imóveis pareciam apreciar o pôr-do-sol sentindo a brisa que o vento do entardecer causava na trilha da floresta. Da minha bicicleta à caminho da cachoeira, eu observava a pose austera dos dois gatinhos pretos e pensava "o que eles faziam ali no meio daquela folhagem?".

Entre um pensamento e outro, eu me preparava para pedalar quando do nada, surgiram uma coruja e uma loba. A coruja pousava no chão, cumprimentando a loba que foi recíproca verdadeira e respeitosa enquanto os gatos continuavam imóveis parecendo duas estátuas. Foi aí que a Coruja deu uma tossidinha e a loba um uivo, fazendo com que os gatos dessem um pulo do seu sono da beleza e sentados ficaram assustados com as presenças ilustres daquela tarde de verão.

Naquele instante os gatos falaram palavras em russo, a folhagem se recolheu, um portal se abriu e os animais entraram. Eu larguei minha bike na árvore e corri como uma bailarina nas pontas dos pés, alcançando o portal entreaberto e entrei, mas quase me prendi no desfiladeiro e enquanto eu me espremia para passar, o portal se fechou.

Meu coração foi parar na boca, mil ideias passaram na minha cabeça, mas cheirei a flor e apaguei a vela, oxigenando o cérebro para pensar com calma, quais seriam meus próximos passos e o que me esperava lá na frente.

Fui caminhando a passos lentos, pensando como eu ia sair dali, para onde eu estava indo, se daria tempo de encontrar com os animais e quem eram eles.

Assim que me livrei do trecho do desfiladeiro, avistei ao longe muito mais que dois animais, um conselho reunido no alto da montanha que me parecia distante. Continuei, agora no anoitecer. Ainda bem que estava com a minha mochila, peguei um casaco e uma lanterna de ET, daquelas que a gente coloca na testa e continuei.

Atravessei o riacho de águas congelantes, passei por um vale verde, iluminado de vaga-lumes, subi as montanhas com pedras andantes até me aproximar de um lindo fiorde iluminado com velas e lá adiante, a coruja discursava na língua "corujês" enquanto os outros animais em silêncio pensativos e em sintonia com a fala da coruja.

Eu me sentei na espreita da moita para que ninguém me descobrisse, morrendo de medo, mas fiquei ali quietinha. A coruja terminou e a loba começou e a comissão continuava atenta e silenciosa. Até que em certo momento todas silenciaram e a raposa começou a falar português. "Antes da votação, precisamos considerar que a Loba é irmã dos nativos norte americanos reverenciada com bravura, firmeza e sabedoria, que o uivo dela é a ponte entre os mundos da matéria e da espiritualidade, ela é responsável em recolher os ossos dos mortais e à beira da fogueira com uma humana, libertar sua alma, ela une os princípios do masculino e do feminino existente em todos os mortais, ela tem a ação nobre e a intuição pura. Já a coruja tem o poder de enxergar através da escuridão da noite e do dia, consegue ver o que os olhos não alcançam, considerada a deusa da sabedoria se ela for o animal de poder daquela jovem que só chegou aqui com a nossa permissão.

Nesse momento todos os animais olharam para minha direção, a raposa se aproximou da moita fazendo um convite para eu me levantar e me juntar a comissão. Eu meio sem graça, sem desconfiar de nada, aceitei o convite e fui caminhando ao lado da raposa, sentindo as bochechas quentes de vergonha, fui convidada a me sentar naquela roda.

"Diga seu nome para todos minha jovem", me apresentei "Rubi", "de todos os animais presentes nesta comissão, qual deles você sente a presença em seu coração?" perguntou a Raposa. Eu contendo meus batimentos cardíacos respondi "considerando o que presenciei e o que escutei devo considerar que em mim não tenho apenas um, desta forma não posso escolher apenas um. Em mim sinto a compaixão, a lealdade, a sabedoria, ajustiça, a proteção, o respeito. Há no mundo quase 8 bilhões de pessoas, se no nosso tempo de vida, pudéssemos encontrar todas essas pessoas, cada uma ensinaria algo que nem um outro pudesse ensinar. Isso significa que saberes não são maiores ou menores, SABERES são diferentes, portanto escolho a todos os animais deste conselho, pois cada um de vocês pode contribuir com algo que acrescente em nossas vidas".

Quando acabei de falar, os animais se entreolharam, saldaram o novo ano e apreciaram minhas palavras e escolha. A raposa encerrou a reunião me parabenizando pelas sábias palavras e dizendo que a comissão escolheu muito bem a protetora do clã que a partir daquele momento chamaria Clã Rubi.

Imagem: acervo pessoal - Museu das Culturas Indígenas

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