Sete dias de praia, oito dias na Cabana

 Uma amizade acabou, duas passagens compradas e eu fui para uma praia em Santa Catarina. Peguei a mala, a bolsa e fui para minha primeira viagem sozinha. Reservei uma cabana num camping na Praia do Tabuleiro de frente para o mar. 

Numa tarde de julho em São Paulo, seis meses após essa viagem, me veio a inspiração de escrever esta publicação. Eu precisava contar para as leitoras sobre a minha coragem. Tem gente que não saí de casa, muito menos do seu sofá ou da vida que tem para se aventurar por ai onde seus sonhos ou desejos buscam algo mais intimo consigo mesmas.

Foram horas de viagem quando cheguei de ônibus e desci naquela rodoviária quase fantasma. O céu estava nublado e o dia cinzento. Com meu fone no ouvido e o celular no bolso, ia seguindo as orientações do gps, arrastando a mala quando começou a chover torrencialmente. De dentro da bolsa tirei a capa de chuva para continuar caminhando até que consegui pedir um carro pelo aplicativo, que me levou até a minha hospedagem. A ideia era ir caminhando, parando numa praia, olhando o mar. Pensei em tomar café da manhã em alguma cafeteria ou padaria, até chegar o horário marcado no destino desejado, mas nem tudo sai como a gente planeja; ainda mais a chuva que Deus manda.

Desci do táxi arrastando uma mala de rodinhas, entrei no espaço externo do camping, sentei num sofá azul num local coberto. Estava entusiasmada em ter chegado ali sem saber ou ter noção do que esperar daquela viagem, mas tinha comigo um propósito corajoso e desafiador.

Enquanto eu pensava em tudo que eu tinha enfrentado até aquele momento e o que eu de fato tinha ido fazer naquele lugar, saiu de dentro de um trailer uma senhora simpática que me ofereceu uma xícara de café e um pão com mel. Claro que eu aceitei e posso afirmar que foi a melhor xícara de café e o melhor  doce pão com mel que eu comi na vida, porque quando somos acolhidos com o que as pessoas tem a oferecer é tudo que podemos aceitar de alma aberta à receber. 

Lembrem-se que eu estava semi seca, com algumas peças de roupas penduradas na mureta, de barriga cheia e com sono, dormi de boca aberta sentada naquele sofá e devo ter acordado meio mundo com meus roncos. Eu sei que quando abri os olhos tinha muita gente circulando pelo espaço. 

Fui recepcionada por uma funcionária do camping que me cedeu um espaço em um quarto para eu guardar meus pertences. Troquei de roupa e fui andar pela cidade em busca de um mercado onde comprei alguns alimentos para começar minha estadia, além de garrafas de água.

Quando voltei para o Camping, a cabana estava liberada e fui apresentada a ela com todas as suas peculiaridades. Claro que mudei algumas coisas de lugar para me sentir em casa por todos aqueles dias, ajeitei a mala, a bolsa, as compras e fui me aventurar na pequena e útil cozinha. Não quis usar a cozinha comunitária do camping porque a minha ideia é viver aqueles dias com as possibilidades da cabana e assim eu fiz. A comida não foi das mais saudáveis, mas me virei perfeitamente com o que eu tinha em mãos.


Segundo dia

Levantei cedo como de costume, tomei café da manhã e fui caminhar pela orla da praia admirando os primeiros raios de sol, passando pelas poças de chuva, ouvindo o som das ondas quebrando na areia. Na caminhada avistei os salva-vidas chegando em suas bikes e assumindo seus postos. 

Sentei debaixo de uma palmeira para apreciar a vista, do mar, lindo e ainda marrom com a sujeira das chuvas. As altas ondas da praia brava com o som e o cheiro de mar que eu conheço, fiquei ali por um tempo significativo, pensando como chegar no posto e pedir ajuda para alcançar o propósito da viagem; porém a vergonha falou mais forte. me fazendo naquele dia desistir de comunicar com os salva-vidas. Na mesma noite, conversei com a minha terapeuta que disse que se eu não fosse falar com eles não teria ajuda e informação.


Terceiro Dia

Levantei cedo como de costume, tomei café da manhã e fui caminhar pela orla da praia admirando os primeiros raios de sol, passando pela obra do meio da rua, ouvindo os trabalhadores e o trator andando de um lado para o outro, tirando pedra e aplainando terra, vi carros pegando um atalho e eu seguindo para o mercado comprar docinhos de amêndoas cobertos de chocolate e garrafas de água com minha sacola sustentável, porque eu me preocupo com isso.

Voltei até a cabana organizando as compras na minha casinha temporária, troquei de roupa e fui tomando doses de coragem até o posto de salva-vidas mais próximo e para minha sorte tinha um rapaz do lado de fora com quem conversei, entre bochechas rosadas de vergonha até suspiros de coragem, tirei todas as minhas dúvidas. De lá caminhei 10km até o posto da praia onde fui conversar com outros profissionais de salvamento, de acordo com as orientações do posto anterior.

Saí de lá cheia de esperança, caminhando tudo de volta, por conseguir encontrar uma pessoa que se dispôs a fazer aquela loucura, bravura, coragem comigo. Fui até a Praia do Grant, encontrei a salva-vidas que se dispôs a me acompanhar, mas era tarde, então marcamos para o dia seguinte e tudo bem...


Quarto Dia

Dia seguinte, quarto dia, levantei de madrugada com medo de ir, mas fui, já que entre o céu e o mar existe um mundo de Deus, de possibilidades, para pessoas com e sem coragem, o que muda é o movimento e as perspectivas.

Nesse dia levantei para tomar meu café, vestir meu traje de banho, chamei um carro para me levar até a Praia do Grant munida de toalha de banho, chinelo, óculos, touca e roupa para trocar. Cheguei lá antes do horário marcado, encontrei a Daiane que me emprestou suas nadadeiras. Entramos no mar revolto, eu estava com medo e ela foi paciente fazendo algumas paradas no meio do caminho, mas não consegui continuar após uns duzentos metros de nado porque as ondas estavam altas e eu não conseguia acalmar minha mente que para uma travessia à nado é essencial. Saímos da água com o combinado de tentarmos novamente alguns dias depois antes do meu retorno à São Paulo.


Quinto Dia

Acordei olhando o celular para ver se tinha chegado alguma mensagem da Daiane, mas para não perder um dia de praia, fui caminhar e cuidar das bolhas nas solas dos pés, que eu ganhei no dia que andei quilômetros de chinelo debaixo do sol, péssima ideia, mas com pomada de arnica, ataduras e esparadrapo fiz curativos lindos que couberam dentro da meia e do tênis, para continuar a caminhar. Nesse dia fui à praia, sentei ao sol, apreciei o mar olhando-o da areia. Fiz um lanche, sentada no gramado da orla e olhando o mar. Tomei água de coco olhando o mar, lógico. Desenhei o mar e os barcos que eu avistava da orla. Caminhei até o centro observando as lojas, o comércio e o MAR. À noite, recebi o recado tão esperado. Amanhã nos encontramos na praia, às 10 horas. Foi um fim de noite um pouco ansioso, mas para nadar no dia seguinte, eu precisava ter uma ótima noite de sono e assim foi!


Sexto Dia

Bem cedo eu despertei, pulei da cama, me vesti, tomei meu café da manhã e me preparei com tudo que eu precisava levar, era uma segunda-feira e tinha que ser espetacular. Chamei um carro para chegar na Praia do Grant antes do horário combinado. A salva-vidas estava lá. Deixei meus pertences dentro do posto de salvamento e nos dirigimos para a água. Entramos no mar com destino à Ilha do Grant, com algumas paradas, mas desta vez, para eu admirar o quanto eu estava longe da praia e assim entre deslumbramentos, emoções e braçadas. nós chegamos na Ilha e após um pouco de prosa, voltamos nadando até a praia. E, como nem tudo são flores, a volta pegamos a subida da maré e uma faixa de correnteza. Não foi fácil nadar contra a maré, onde eu dava duas braçadas para frente e o mar me jogava para fora, mas saímos de lá e chegamos na praia com comentários de uma menina à outra "um dia eu vou nadar como elas".

Ser inspiração para crianças, jovens e adultos sempre é válido na nossa trajetória, mas nesse dia além de uma travessia à nado de 1100 metros em mar eu conquistei a liberdade de ser possível outras vezes, venci medos, enfrentei a mim mesma, me conectei com o mar, sua imensidão e profundidade. 

Na cabana de volta, cheguei com uma tremenda dor nas costas que vinha da nuca até as asas por ter nadado contra a corrente. Tomei um banho, preparei uma comida "nutritiva" engoli dois comprimidos para dor e deitei em "berço esplêndido" e dormi quase até o dia seguinte.

Nesse dia, no mar, tinha um veleiro...


Sétimo Dia

Fiquei de boa pelo camping, claro que não, levantei mais tarde, tomei café da manhã, saí para caminhar olhando para o mar, na busca de encontrar aquele mesmo veleiro do dia anterior. Caminhei pela orla e também por ruas mais centrais, passei no mercado para pegar alguns docinhos e algum lanche para o último dia, almocei num restaurante e, na cabana organizei parte da minha bagagem e dividi o tempo em olhar o mar e me despedir dele na areia, fazendo minhas orações e agradecendo pelas conquistas e olhando pela janela da cabana os últimos raios de sol, a luz da lua refletida na água e ouvindo as ondas do mar.


Oitava Dia

Era hora terminar de arrumar a bagagem, colocar os móveis no lugar, agradecer pelas oportunidades. Minha vida estava bem parecida com o provérbio que diz que quando uma porta de fecha, abre uma janela ou algo bem parecido com isso. Uma amizade terminou para dar espaço para outras conquistas. E, se terminou não era amizade verdadeira, penso isso. Não revi aquele veleiro, mas levava na bagagem novas amizades e conquistas. Pedi um carro e na rodoviária esperei meu ônibus que chegou após horas de atraso. Na estrada tiveram várias paradas em filas intermináveis e mesmo com atraso, desembarquei em São Paulo chegando logo em casa.


Observações

Tive algumas inspirações e sonhos sobre uma cabana que não era aquela e de um veleiro ancorado bem perto da praia, se isso é possível, mas ele estava lá. Entre céu e o mar foi uma inspiração vivenciada num outro momento deste mesmo ano, 2023, a partir de uma vivência e conhecimento das produções da artista Estela Miazzi com duas frases "Nunca te falta mar" e "O mar nos une". Destas inspirações, vem nascendo a conexão mais íntima, profunda e sensível da artista e escritora Zaira, euzinha que vos "fala", que "Entre céu e mar" existe uma imensidão de possibilidades e perspectivas, que nossa consciência desconhece quando queremos nos conectar com nosso inconsciente, com a nossa fonte criadora, com nossa intuição, com nosso sagrado e nossa ancestralidade. Hoje me despeço abraçando minha jovem de 16 anos, buscando minha ancestralidade na hortelã, acolhendo e dando voz à coragem de ressignificar  tudo que aconteceu na minha vida até os dias atuais, na busca de mim mesma, assim como Viola Davis em seu livro nada romantizado graças a Deus, em sua história pessoal e de luta etnico racial, de tempos não tão distantes como os atuais. Me despeço agradecendo as oportunidades e em entender que o veleiro nada mais é que a ação de tenho colocado em todos os meus projetos, dos mais íntimos aos mais masculinizados e o mar sou eu na profundidade de ser o que me torno todos os dias.

Dicas

Permita-se viajar sozinha, tanto na solidão quanto na solitude. Conhecer-se e aprofundar-se na mulher maravilhosa que tu és.

Veleiro: criação e acervo pessoal







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