Entre o céu e o Mar

 Faltavam poucos dias para voltar ao trabalho, então resolvi viajar para ver o mar, mesmo com medo de ir para um lugar que eu ainda não conhecia e, sim, tenho essas dificuldades em sair ou viajar sozinha, mas mesmo com medo eu acabo indo e desta vez não foi diferente; eu fui. Comprei as passagens pelo aplicativo, chamei um carro que me deixou no metrô e de lá segui para a rodoviária com destino à Ilhabela.

Pode parecer estranho, eu morando em São Paulo a mais de 40 anos e nunca ter ido a essa cidade tão perto da capital. Mas, o que me parecia estranho, na ilha, deixou de ser... 

Esse ônibus que eu peguei faz algumas paradas pelo caminho, incluindo a rodoviária do aeroporto de Guarulhos e a poltrona que estava vazia onde embarquei, foi ocupada por uma senhora argentina de Buenos Aires, que ao longo do caminho fomos conversando um "portunhal" com mímicas, porque ela falava inglês, espanhol e italiano, e eu apenas o português. Durante o caminho, eu ia pensando comigo mesma que sair de casa para conhecer lugares diferentes me traria pessoas diversas e essa era a lição da "caminhada" fazendo eu me animar naquela viagem aventureira.

Chegando lá, descemos do ônibus, pegamos a nossa bagagem e entramos na balsa; eu, a Adriana e os seus dois filhos. Não imaginava que ali começaria a "grande aventura". Assim que entramos na balsa e nos organizamos no espaço para pedestres, um senhor se levantou para dar o lugar para uma de nós, que agradecemos e permanecemos de pé olhando o mar e sentindo o vento frio daquele dia nublado. Eu, por minha vez, puxei conversa com aquele senhor que vestia calça azul escura e camiseta branca com logo da Marinha do Brasil, que se levantou para conversar comigo. Seu nome era Vandré que me respondeu gentilmente sobre a pergunta que eu havia feito sobre autorização para travessias em mar. Meu ser, sabia que aquele nome soava familiar, mas agradeci e  mesmo que eu quisesse colocar em foco principal de onde eu o conhecia, permaneci na caixa do nada. Descemos da balsa após 15 minutos de travessia, me despedi da Adriana e seus filhos, fui caminhando até o ponto de ônibus acompanhada de uma senhora moradora da ilha.

Sentei debaixo do telhado do ponto de ônibus e fiquei esperando o "Borrifos" chegar. Assim que entrei pedi ao motorista para me avisar quando chegasse no ponto da praia da feiticeira. Desci em frente o posto da polícia militar, tentei olhar o mapa no aplicativo, mas o abençoado celular não estava colaborando comigo. Passava um senhor fazendo caminhada que me ajudou a encontrar o caminho para chegar até a Pousada do Inglês onde tinha reservado um chalé.

Chegando lá fui recebida pela Shirley que é a caseira da Pousada e um senhor que também mora lá. Depois de algumas palavras trocadas, me instalei no chalé verde, debaixo, troquei de roupa e fui andar para conhecer a Ilhabela. Saí da Feiticeira em direção à Balsa fazendo uma caminhada de 5km, fui ao mercado comprar água mineral, peguei o ônibus e desci no chalé, cansada e feliz por ter chegado até ali.

Tomei um banho quente, jantei, deitei e o cachorro da vizinha me ajudou a me manter acordada até umas nove horas da noite até que peguei no sono e como estava cansada, me programei para acordar mais tarde e sair para andar pela manhã, porém na mesma casa do cão, mora um galo, que canta feito sino da catedral, cantou 3h30, às 4h30, às 5h30 até que o dia fez a sua aparição e o bicudo terminou sua cantoria. A essas horas eu estava acordada, de pé, de roupa trocada, de café tomado, pronta para sair.

Fiz o mesmo caminho do dia anterior, andei os 5 quilómetros caminhando até a Balsa e lá peguei uma condução que me levou ao ponto final na Praia da Armação. Voltei e desci na Vila onde caminhei pelo Centro Histórico onde conheci o Museu, a Iris uma professora aposentada que faz e vende nós de marinheiro como chaveiros, fui até o pier olhar as poucas velas que velejavam com vento propício, o iate que tentava ficar ancourado com o vento que não o deixava em paz, almocei no Restaurante Alecrim e mais tarde, peguei um ônibus que me levou para dar voltinhas por bairros mais afastados da ilha. Sentei do lado de uma senhora com quem conversei até o ponto que ela desceu, e foi essa senhora que me disse "você é uma mulher corajosa em viajar sozinha. Eu moro em SP, mas venho todo mês para cá, para visitar minha família. Tem tantos lugares que eu não conheço e nunca fui porque sou acomodada".

Desci do Ônibus no ponto da Balsa para pegar "meu" ônibus que me deixaria na pousada, mas lembrei da sugestão que a Iris tinha me dado. Então peguei o ônibus Borrifus, no caminho vi o veleiro da Marinha do Brasil. Desci no ponto final a fim de ver o pôr-do-sol no restaurante Nova Iorqui. Essa era a pretensão quando comecei a descer a rampa íngreme que me levava até a beira mar com o joelho esquerdo zoado, resumindo voltei antes mesmo de chegar à praia. Andei até o ponto do ônibus onde disputava lugar com os pernilongos e borrachudos. Saí de lá e fui andando pelos barrancos do asfalto até sentar no terceiro ponto e aguardar o ônibus chegar. Assim que espantei um pernilongo, subia a rua uma moça com uma sacola, uma bolsa e um saco de lixo que foi depositado na caçamba na beira da estrada. Sentou do meu lado e ficamos conversando até entrarmos no ônibus. 

Eu que não conhecia essa ilha, não imaginava que ela fosse tão extensa com tantos altos e baixos, mas naquele dia tinha conhecido a ilha de norte a sul. 

Cheguei na pousada no entardecer, conheci o Lucas que é o gato da Shirley. Sentei na frente do chalé e lá ficamos conversando, ela me contando uns causos e eu outros, quando ela cumprimenta um amigo "Grande Leandro". Ele se juntou a nós e ficamos conversando até que saímos de moto e fomos jantar no mesmo restaurante que almocei na Vila. 

Naquele dia tive novas sensações como as quais eu tive na balsa quando conversei com o Vandré. Estava vivendo um "dejavu" tanto com a Shirley durante a nossa conversa, quanto com o Leandro quando abrimos nossos corações um ao outro, porque eu já tinha vivido aquela experiência e ouvido sua história de vida; tudo rodava à minha volta, mas eu permanecia na caixa do nada até para continuar me proporcionando aquelas experiências.

Na mesma noite, antes de me deitar, a pousada estava mais cheia, pessoas que iam mergulhar no dia seguinte, estavam chegando e se organizando para sair.

No sábado de manhã, saí com a equipe de mergulho para acompanhar o pessoal. Fiquei na praia acompanhando visualmente e eu em algum momento entrei na água fria com seus 19,5ºC para escapar dos borrachudos. Quando todos saíram do mergulho, fomos até a pousada para deixar o equipamento, nos organizamos e fomos para a praia onde ficamos até tarde. Eu que ia voltar no sábado acabei trocando minha passagem para o domingo a fim de aproveitar mais um dia de praia.

Quando foi mais tarde, levantamos os quatro guarda-sóis, tiramos as cadeiras e voltamos para a pousada. Assim que cheguei, fui tomar um banho, me arrumei para o jantar, mas tive uma crise de ansiedade. Conheço meus gatilhos! Saí para andar! Fui conhecer a Praia da Feiticeira, andei por ruas íngremes, sentindo o vento no corpo, andando pelo pier em construção enquanto minha cabeça rodava e as lágrimas escorriam pelo meu rosto.

Perguntei para o Universo o que significava tudo aquilo e todas as pessoas que eu conheci e porque eu fui parar naquela Ilha. Me veio dois pensamentos: "entre o céu e a terra existem inúmeras possibilidades", "para você prosperar é preciso limpar o caminho, para eu entender os processos e as mudanças". Era tempo de voltar!! Chegando na pousada o pessoal estava me procurando, tinham batido na porta do meu chalé, me chamando para o jantar e quando eu disse que tinha ido andar, ouvi da Cris "que disposição!!" ou algo assim e eu pensava, "é o que eu faço com a minha ansiedade!!". 

Ahhh!! Deixa eu apresentar a Cris Bueno e olha que mundo pequeno. A Cris é instrutora de mergulho, trabalha na educação pública, trabalhava com a Cátia que foi minha amiga de escola e de moto clube. Eu também tive um dejavu com ela quando fomos até a balsa para buscar a esposa da Shirley e paramos na sorveteria. A Cris também foi minha professora de natação quando éramos "xovens" na Academia com nossos 20 e poucos anos; e, eu não sei, mas não me lembro com tantos detalhes desses tempos atrás, falando em memória, mas tive a impressão que já tinha vivido essas experiências por conta dos sonhos que tive com todos eles, até mesmo com a árvore e um corpo no despenhadeiro...

No domingo de madrugada, a equipe fez um mergulho noturno e eu fiquei na praia novamente. Mas, desta vez, eu fui com um par de nadadeiras, maiô, camiseta de manga longa, touca roxa e óculos de natação. Eles partiram de madrugada até a Ilha das Cabras e eu na praia esperando o dia amanhecer, conversei com o rapaz do bote, com as meninas de calça comprida e blusas de lã que tiravam foto na beira-mar. Quando vi dois mergulhadores para fora com o dia amanhecido, eu entrei na água, calcei as nadadeiras, coloquei o óculos e sem medo comecei a nadar até me encontrar com eles. No caminho dei um bom dia para o rapaz do iate que tinha me cumprimentado, arrumei as nadadeiras que estavam frouxas, desembacei o óculos, até chegar até a equipe. Fiquei ali por alguns minutos, tiraram foto de mim, esperei a Cris voltar à superfície e voltei nadando para a margem da praia, enfrentando a correnteza do mar, trocando o crawl pelo costas com apenas pernadas e mesmo assim, saí de um ponto nadando reto e cheguei perto da boia amarela depois da terceira rampa para barcos. Fiz essa travessia curtinha apenas uma vez para não atrapalhar a equipe que estava fazendo o mergulho.

No mesmo dia, naquele domingo, voltamos para a pousada, arrumei minhas malas, tomei banho e gentilmente ganhei uma carona do Armando até a balsa. Atravessei mais cedo que o horário do ônibus da volta, sentei no ponto, li partes do livro que super recomendo "Viola Davis - Em busca de mim", conversei com a senhora do ponto que pegou o mesmo ônibus e fomos sentadas uma do lado da outra, fizemos uma boa viagem, entre eu babando e balançando a cabeça de sono pelos dias que o galo me acordou durante das madrugadas e meu cansaço pelo novo, desci na rodoviária, peguei o metrô e um taxi de volta para casa.

Um dos pensamentos que me veio à mente no dia da crise de ansiedade, também veio como inspiração quando eu fazia pintura intuitiva. Me apropriei da frase "entre o céu e o mar", até mesmo porque as imagens de veleiros me veio junto com céu e mar. Na mesma semana, que o Fabiano, instrutor de mergulho e professor de natação, publicou no seu status, a foto do Festival Internacional de Velas na Ilhabela; foi no mesmo instante que eu atendi a esse chamado "vou para Ilhabela".

Não posso deixar de agradecer pela hospitalidade, pelo clima gostoso que estava na pousada e com as pessoas. A esposa e a filha do Armando... pessoas sensacionais, só tenho gratidão por mais essa experiência!!

E, para terminar essa prosa reflexiva, deixo aqui uma frase "Posso ser mais do que pediu à Deus, mas eu sou o que me torno todos os dias".

Contatos para quem tiver interesse em mergulhar com a equipe, acesse o link: https://www.inglesdive.com.br/


Imagem tirada no Museu Náutico de Ilhabela


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