Meus olhos

 Nem sempre olhamos para nós como devemos olhar. Atendemos as necessidades dos outros, as vontades dos outros e nós, onde ficamos na nossa existência?

Tem momentos que devemos seguir sozinhas mesmo que para isto acontecer temos que mover céus e terras dentro de nós. Imagine-se acordando numa gruta, olhando para fora dela onde tudo que vê é areia do deserto; é assim que me sinto desde a última publicação neste blog. As palavras não saem da boca e muito menos passam pelo cérebro, a muito tempo não são processadas, mas muito refletidas. 

Tenho andado muito dentro de mim, atendido tudo que é externo e consciente como as minhas vontades esquecidas, vazias, perdidas no tempo e no espaço que até então não podiam ser atendidas. Estive perdida com direção. Estive tão solitária em mim mesma que mesmo estando acolhida e rodeada de amigos, me sentindo sozinha. Não estava com depressão, não estou, mas lidando com meus fantasmas e minhas sombras; chego a suspirar, sentir aquele sopro mais íntimo interno saindo pela boca, ele também estava isolado.

Passei tantos anos vivendo como o mais isolado ser do planeta terra, no meio da cidade de São Paulo, sem conseguir atender meus desejos mais insignificantes, que hoje, não no melhor período da minha vida, posso dizer que consigo realizar minha lista de desejos anuais divididas em meses.

Ontem consegui organizar meus novos desejos numa nova lista e preguei no mural de tarefas, uma lista sobre a outra, somando três, em desejos realizados e os quais ainda há de realizar. Mas, para que tudo isso? Você trabalha, paga suas contas, investe, administra o que tem e ainda precisa escrever lista de desejos mensais, anuais? Sim!! Preciso sim, porque administrar a vida é muito mais que dar conta das finanças, é organizar os sentimentos e as emoções em todas as áreas da sua vida.

Quando me encontro nas areias quentes do deserto, sabendo que lá também tem vida, mas partindo do que o meu coração sente e está vivo, tudo é mais que isso tudo. é um corpo vivo, com coração batendo, um cérebro pensante tentando encontrar o caminho de casa, a trilha que desconhece em si mesma.

Os amigos podem te oferecer o mapa, a bússola, te mostrar as melhores trilhas, mas não é tudo, é pouco. O caminho é desconhecido para quem trilha e essa escolha é sua, em tudo mesmo.

O que é esse tudo? O calçado que coloca nos pés, o veículo que escolhe, a bagagem que carrega, a sua vontade, o seu medo, tudo é sua escolha, é você que domina sem dominar, é você que comando sem comandar, é tudo aquilo que te breca e que te faz ficar no lugar, sem que você consiga dar um passo sequer.

Quando adolescente tinha um pesadelo constante, me via num cone de paredes retas e quadriculadas daquelas que te causam ilusão de óptica, branco e preto como um tabuleiro de xadrez, na ponta mais afunilada sem saída, acuada e na outra ponta mais larga saía uma bola gigante de chiclete que descia em câmera lenta na minha direção e quando tudo parecia perdido eu acordava assustada. Essas cenas se repetiram inúmeras vezes, eu tinha medo de fechar meus olhos, mas dormia de cansaço.

Na vida tudo tem um propósito, interesses, uma função e nela seus gatilhos. Num dia desses acionei um gatilho por conta de um mal entendido ou mal planejado ou mal conversado. Acredito que eu tenha utilizado das ferramentas que eu tinha, juntei o "Lé no Cré" e parti para o que eu acreditava ser uma possibilidade, mas me esqueci de colocar o diálogo em ação e quando percebi tinha realizado todos o planejamento mental sem ser uma possibilidade real. O que eu fiz? Quando você vê que a pessoa tem uma espingarda e balas compatíveis para ela, o que você pensei a respeito, ela sabe atirar (exemplo fictício para não expor as pessoas). Podemos pensar em outros exemplos: você tem um carro na garagem, mora sozinha, mas não sabe dirigir ou seja, você tem um instrumento qualquer, mas não usa para aquele objetivo, só o coleciona.

Acontece que eu estava junto com ela na compra e ela me emprestou para eu viajar, mas o que modifica não é só a ação, e a pessoa, o interesse, o objetivo, a vontade; o que muda é o sujeito dessa ação, você não é ele e vice-versa. Eu criei na minha mente o desejo de viajar com ela, minha amiga, esquecendo que nossos anseios são diferentes. Ignorei muitas coisas, até mesmo o fato de que as escolhas na vida e os propósitos são diferentes; os veículos não são mais os mesmos, e nunca serão os mesmos.

O gatilho que eu acionei foi muito além do fato de entender que mesmo que ela tenha um artigo peculiar que não é usado para o propósito que ele serve, acionou algo que eu vivenciei a muitos anos atrás. Fazer planos a partir da vontade dos outros e quando descobri que a pessoa não ia mais viajar comigo; e essa história se repetiu me deixando MUITO frustrada comigo mesma.

Perceba minha frustração: planejei algo que não foi conversado, utilizando um artigo emprestado que não é meu, mas não tive coragem de entrar no meu carro e viajar sozinha para onde eu sei que devo ir. Sabe o deserto que existe dentro de mim? Ele existe dentro de cada um de nós, mas o que me falta é coragem para eu entrar no meu carro, planejando e organizando a próxima viagem da melhor maneira possível, indo sozinha para fora da minha gruta e voltando quantas vezes eu desejar.

Antes que me julgue, saiba que eu fiz uma viagem com uma amiga e para isso levei meu carro no mecânico, abasteci, pesquisei sobre o lugar, o trajeto, fiz a reserva e fui com medo, mas dominei meu pânico, enfrentei um dos meus medos.

Hoje é dia 9 de janeiro, tenho todo o mês de janeiro para viajar, mas não sei se vou para algum lugar por conta própria. Vou com uma amiga para uma cidade do interior de São Paulo, fazer um bate e volta., pretendo arrumar a casa, passar tinta numa parede, colorir alguns caixotes, conhecer um parque novo quando sair o sol, tomar um café na minha padaria preferida...

Para 2022 quero continuar enfrentando meus dragões, saindo e voltando para o calabouço quando achar interessante, planejar viagens, adquirir objetos e instrumentos que sejam utilizados para seus devidos fins proporcionando prazer mesmo com medo, que eu consiga realizar pequenos e grandes feitos internos seja no deserto ou nos lugares que me ligam a que é mais sagrado para mim.

Outro dia ouvi uma pessoa dizer: "Para conquistarmos algo, o caminho que devemos trilhar nem sempre é o da direita, da esquerda ou do meio; o caminho é circular. Ou seja, para eu alcançar o que eu desejo eu preciso conhecer pessoas e me conectar com elas, assim como me conecto com meus desertos.

O que eu entendi nessa reflexão de mim mesma, é que os meus desertos eu aciono e isso é que importa e as distorções de imagens partem de quem somos e o que nos tornamos todos os dias.

Imagem: acervo pessoal

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