Comportamentos no farol

Esses dias fiz uma pesquisa comportamental, num dos cruzamentos de duas ruas muito conhecidas em São Paulo, durante a tarde e o início da noite e pude constatar comportamentos de pedestres, motoristas, motociclistas, pedintes e panfleteiros; além das mudanças da cidade conforme o dia foi indo embora.

Parada no meio da avenida, na ciclovia para ser mais exata, fui acompanhando o movimento da cidade. Primeiro observei as lojas do entorno, chaveiro, auto elétrico, postos de gasolina, concessionária de veículos, academias de artes marciais, pequenos e grandes comércios.

Ainda cedo da tarde, na ciclovia, passavam senhoras com sacolas de compras e cachorrinhos, andando calmamente contemplando a natureza. Conforme o tempo foi passando, o público mudou. Começaram a aparecer jovens fazendo suas corridas e ciclistas com mercadoria para entregar, enquanto duas mulheres entregavam panfletos de um empreendimento nos faróis da avenida.

Durante a tarde não haviam pedintes circulando nas ruas, mas tinham trabalhadores com bolsas e sacolas caminhando com pressa nas calçadas, parando nos pontos de ônibus, esperando uber e suas caronas. Frentistas atendendo motoristas nas bombas de combustível, empregados fazendo suas tarefas, academia repondo material, atendendo telefone e organizando o espaço para o fechamento do comércio por causa do decreto/covid.

E as duas mulheres entregando seus panfletos a cada farol fechado a meta de 25 folhetos cada, tudo calculado e organizado pela logística do tempo e quantidade total a ser entregue.

Acompanhando o trabalho das duas mulheres pude observar muitos comportamentos interessantes. Elas esperavam o farol ou semáforo fechar e ofereciam aos motoristas, com muita educação entre um cumprimento de boa tarde e um aceita um folheto, encontraram resistência no comportamento de cada motorista, como por exemplo, janelas fechadas onde não se viam os rostos, janelas fechadas com motoristas olhando para frente fingindo não ver as mulheres do lado de fora, janelas fechadas com pessoas de cara feia tentando esconder seus preconceitos com o trabalho digno de cada uma delas que passaram horas de pé andando de um lado para o outro para ganhar seu dinheiro "suado" de fato.

Da mesma forma que encontraram muitas janelas abertas com pessoas receptivas que aceitaram os folhetos e agradeceram, mas o mais interessante foi constatar que a maioria das pessoas que receberam foram pessoas trabalhadoras, aquelas com as mãos sujas de tinta, de graxa, cansadas depois de um dia de trabalho braçal. Mas não vou generalizar porque outras pessoas trabalhadoras de terno, gravata e camisa social também aceitaram.

Passando pelas janelas pude ver que se fossem oportunistas no lugar das mulheres trabalhadoras, duas motoristas podiam ser lesadas, porque uma delas com a janela toda aberta, prestando atenção às mensagens do celular e a outra com a janela aberta com bolsa e demais pertences pessoais esparramados no banco do passageiro.

Essa experiência me remeteu a um tempo muito lá atrás na minha vida, quando eu trabalhava no Iate Clube Santo Amaro, no caixa do clube. Eu via, presenciava e passava por muitos preconceitos por estar trabalhando de caixa de um restaurante.

Eu vi nas duas mulheres a garra de estar trabalhando por necessidade, quando muitas ficam sentadas cansadas junto às suas sacolas de folhetos, sem o ânimo necessário para o trabalho.

Um trabalho como qualquer outro digno de ser. Aliás eu era uma das mulheres que estava panfletando, em nome da pesquisa em psicologia.

Não deveria existir preconceito em atividades remuneradas que não prejudicam ninguém.

Imagem tirada do Google Maps apenas ilustrativa. 

PS: O local onde foi efetuada a pesquisa não será divulgado

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