"Violência Silenciosa contra os profissionais de Educação" - Currículo Oculto

 

A VIOLÊNCIA SILENCIOSA CONTRA OS PROFISSIONAIS DE EDUCAÇÃO

Há diversas formas de violência. Uma das principais que vemos nos dias de hoje é o silenciamento. Vários grupos sociais sofrem com isso. Por isso, o texto de hoje é sobre o silenciamento que os profissionais de educação sofrem no debate público.

Sejamos diretos: toda vez que uma discussão em torno da Educação Brasileira é proposta pela grande mídia durante a pandemia, profissionais de todos os tipos eram convocados para o debate: profissionais liberais, membros de ONGs, Secretários de Estados e Municípios que não são da área e/ou que mal conhecem certas demandas das escolas públicas, Prefeitos, Governadores e, às vezes, até Ministros da Educação. Ora efetuavam contribuições parcas em torno de boa parte dos temas discutidos, ora escamoteavam dados em algumas ocasiões, ora faltavam com a verdade em outros momentos. Enquanto isso, profissionais de educação (professores, coordenadores pedagógicos, diretores de escola, estagiários, agentes de apoio etc.) foram sumariamente ignorados, silenciados, sem a oportunidade de oferecerem quaisquer tipos de contribuição ou espécie de contrapontos para a discussão – algo saudável e fundamental para uma sociedade pautada por uma democracia. Vale acrescentar também: educadores do chão da escola são ignorados inclusive pela inépcia dos sindicatos ao tratar dos interesses dos trabalhadores da educação.

No início da tarde de 14 de janeiro de 2021, a Prefeitura de São Paulo anunciou o retorno das atividades presenciais nas escolas da maior cidade do país. No final do mesmo dia, o total de mortos pela COVID-19 era de 207.160 brasileiros e o número de infectados ultrapassava os 8 milhões e 300 mil brasileiros. Enquanto o anúncio era feito por meio de uma entrevista coletiva, o sistema de saúde do Estado do Amazonas entrava em colapso por falta de oxigênio, matando vários amazonenses por ASFIXIA – algo inédito durante os dez meses de pandemia, porém esperado.

As orientações do Prefeito Bruno Covas e do Secretário Municipal de Educação, Fernando Padula, preveem o atendimento de 35% dos estudantes e o retorno compulsório de todos os profissionais de educação para as unidades escolares. O anúncio tranquilizou a elite paulistana, muito bem representada pela ONG Todos Pela Educação e pelo “movimento” Escolas Abertas. Tais grupos, ansiosíssimos com a possibilidade enviar seus amados rebentos para as escolas, comemoraram abertamente a decisão, já que terceiros passariam a ficar a cargo de tarefas das quais tiveram de se ocupar durante o isolamento social.

Alexandre Schneider, Ex-Secretário Municipal de Educação de São Paulo das gestões Serra (2005-2006 – PSDB), Kassab (2006-2013 – DEM/PSD) e Doria (2017-2018 – PSDB), reconheceu em artigo publicado na Folha de S. Paulo neste mesmo dia 14 de janeiro de 2021, que a pluralidade dos debates em torno do tema é limitada na medida em que professores são limados do debate: “Há um certo desdém em relação à participação desses profissionais na discussão. Não são ouvidos pela imprensa, pelas autoridades, pelos pesquisadores, pelos políticos. Suas dúvidas em relação ao retorno às aulas são entendidas como mero corporativismo ou ato político partidário”. Paradoxalmente, para legitimar os argumentos externados até aqui, somos obrigados a nos render à válida opinião do Ex-Secretário tucano: não há exagero na argumentação de Schneider, há uma falta de representatividade gigantesca dos profissionais de educação em uma discussão tão urgente para o tema central deste momento: o retorno das aulas presenciais do novo ano letivo.

Infelizmente, não ouvimos nenhuma fala que se somasse ao que fora apontado por Alexandre Schneider e que tivesse o objetivo de contrapor o discurso dominante que a grande mídia tem ecoado até o 15.º dia do mês de janeiro de 2021: da reabertura das escolas da cidade de São Paulo sem ouvir os profissionais de educação. Pelo contrário, uma série de ataques aos professores foram lidos e ouvidos para fortalecer a narrativa de que a educação deveria ser um “serviço essencial”. Em artigo publicado pela Folha de S. Paulo em 25 de setembro de 2020, o sociólogo Demétrio Magnoli afirmou que as entidades sindicais, que sempre defenderam os interesses da categoria, “invocam a ciência para fazer política corporativa” ao defenderem as atividades remotas. Em outro artigo publicado na Folha em 31 de julho de 2020, o mesmo autor chega a ser ainda mais agressivo ao comparar os sindicatos com associações de policiais.

Em uma live do movimento Escolas Abertas que foi transmitida pelo Facebook em 14 de janeiro de 2021, Claudia Costin, Ex-Diretora de Educação do Banco Mundial e também colunista da Folha de S. Paulo, alegou que as unidades escolares não oferecem grandes riscos de contaminação, estabelecendo um paralelo com farmácias e supermercados. A argumentação da digníssima senhora apenas não se atentou para o fato de que frequentamos tais estabelecimentos por poucas horas e de que nós, profissionais de educação, passamos longas horas dentro de uma escola, um ambiente fechado. O que fazer se o coronavírus resolver entrar nas nossas salas de aula para participar das nossas atividades? Oferecer um cafezinho? Pedir para ele se sentar na carteira? Incluir o nome dele na chamada?

O ponto crucial na argumentação de Magnoli, Costin e de outros que advogam abertamente pela reabertura das escolas em meio à pandemia é de que crianças e jovens estariam sofrendo amargamente com o distanciamento e com a ineficácia das aulas remotas. Ao dar voz a um dos defensores mais ferrenhos da demonização dos profissionais de educação, torna-se evidente a tendência editorial da Folha de S. Paulo em relação ao dilema do retorno das aulas presenciais e ao papel das entidades sindicais na defesa dos interesses da educação pública. Há várias perguntas a serem feitas aos notáveis debatedores e debatedoras cujas respostas gostaríamos de saber:

1.ª) Crianças, embora menos suscetíveis, também são infectadas e mortas pelo coronavírus. Crianças são menos transmissoras do vírus, mas também transmitem. O que pode ser feito? Fazermos uma roleta russa e escolhermos quem vai se infectar e morrer?

2.ª) Crianças em sofrimento psíquico por estarem em casa demonstram um problema de caráter social ou é apenas uma consequência de origem pedagógica?

3.ª) A escola pública tem condições de resolver por si só os conflitos de vulnerabilidade social das crianças e jovens que foram obrigadas a ficar longe das atividades presenciais?

4.ª) Diante da ausência do poder público, que recorrentemente ignora as reivindicações dos profissionais de educação, como seria possível o retorno seguro das atividades presenciais sem a infraestrutura sanitária mínima necessária para um retorno?

5.ª) Ser educador não é ser missionário. A profissão é atravessada por uma luta de melhoria da educação como um todo, mas também pela luta de melhores condições de trabalho. Ser educador no Brasil é um ato de resistência. Não seria uma enorme hipocrisia acharmos que o Brasil vai melhorar da noite para o dia sem políticas sociais de boa qualidade, apenas tratando professores como heróis?

6.ª) As crianças e a infância também são responsabilidades do poder público. Os primeiros que deveriam defender as crianças e a infância são os nossos governantes. Inverter essa ordem, ao posicionar os profissionais de educação sozinhos na frente desse processo, não seria transformar a escola em um depósito de estudantes?

Há um dado alarmante a ser exposto. A quantidade de paulistas entre 10 e 29 anos de idade que foi contaminada pelo coronavírus bateu um novo recorde, segundo relatório divulgado pelo canal Globo News e pelo Governo do Estado de São Paulo em 15 de janeiro de 2021. A alta do índice se explica simplesmente porque jovens deixaram de cumprir medidas básicas de prevenção contra o vírus. Daí cabe fazer um questionamento gravíssimo: “Tendo em vista o relaxamento por parte de pessoas dessa faixa etária, quais são as garantias de que crianças e jovens respeitarão as medidas de distanciamento caso retornem para as atividades presenciais?”. Como é possível notar, as perguntas sem respostas não tem fim. Enquanto isso, a marcha capitaneada pela elite para a reabertura das escolas segue a todo vapor…

É preciso deixar claro que, em NENHUM MOMENTO, as entidades que compareceram aos debates promovidos pela grande mídia e pelas redes sociais se ocuparam em responder as seguintes perguntas: “Como está a saúde mental de professores da escola pública diante desse processo?; Como está a saúde mental de profissionais de gestão escolar que tiveram de lidar com os conflitos surgidos durante a pandemia?”. Ignorar a relevância dessas questões não é um exemplo de mera omissão, é uma violência sem precedentes contra profissionais que exercem o seu trabalho em prol de uma sociedade menos igorante.

Não conseguimos enxergar nenhuma espécie de empatia por parte de entidades como o Todos Pela Educação ou o Escolas Abertas que se dizem tão interessados em defender os interesses da educação brasileira, mas desprezam os conflitos de quem está na frente do processo de ensino-aprendizagem e os enxergam como meros “prestadores de serviços”. Não há o menor pudor por parte de alguns membros dessas instituições em acusar os professores das escolas públicas de estarem recebendo os seus salários estando dentro de casa, como se não estivessem trabalhando em tempo integral. Mais do que isso: sugerem o corte dos rendimentos. Vale acrescentar dois pontos gravíssimos para o conhecimento dessas pessoas: 1) Professores de escolas públicas estão com os salários congelados (baixíssimos, diga-se de passagem!), por medida governamental, até o fim do ano de 2021; 2) Os professores de escola pública conhecem como ninguém os dilemas de suas unidades escolares e são violentamente menosprezados em tais discussões.

Defendemos o retorno seguro das atividades presenciais e com vacinação de toda a comunidade escolar não por mero corporativismo, mas para garantirmos uma educação pública de qualidade, sem abertura para qualquer tipo de privilégio de classe. Lembramos que ninguém aprende com medo, tendo gente se contaminando e morrendo em volta. Ninguém também ensina com medo. Por isso, retornamos ao artigo de Alexandre Schneider sobre a importância dos profissionais de educação no debate em torno do retorno das aulas presenciais:

Se os governos desejam uma volta às aulas digna de nome, é preciso que estejam dispostos a dialogar com quem está no chão da escola, entender seus receios, dar transparência às medidas tomadas para proteger profissionais e estudantes, criar uma linha direta de comunicação, alterar políticas a partir de realidades específicas, construir junto. Além disso, é fundamental que os professores de ensino básico estejam no grupo prioritário da vacinação.

Colocar os professores no centro dessa discussão não é apenas uma medida ética, mas de garantia do desenho e de implementação de políticas educacionais mais efetivas na reaproximação dos estudantes da escola, especialmente os mais vulneráveis. O enfrentamento do maior desafio educacional dessa geração exigirá equipes educacionais coesas. Estas não se formam com profissionais desmotivados.

Bruno Covas, reeleito recentemente para a Prefeitura de São Paulo, deve propor o diálogo com os profissionais de educação com o intuito de realizar um retorno seguro às atividades presenciais nas unidades escolares da rede da qual ele é responsável. Nada contra ouvir os anseios da elite, porém a educação paulistana não se faz apenas de movimentos, ONGs ou do discurso presente na mídia e nas redes sociais. A educação desta cidade se faz principalmente por meio de professores, estudantes e demais profissionais que compõem a comunidade escolar das escolas municipais. Não apenas por uma questão de empatia ou respeito, mas principalmente pelo fato de estarem diante da maioria. Se vivemos em uma democracia, não custa lembrar ao Prefeito de que o poder deveria emanar do povo – as vozes também – e não de quem detém privilégios.

Fonte de pesquisa: 


https://curriculooculto.wordpress.com/2021/01/15/a-violencia-silenciosa-contra-os-profissionais-de-educacao/

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