Acolhimento

Quando eu penso em acolhimento sinto a necessidade de algo quentinho ou algo que me remeta a um lugar ou momento vivido que me traga a sensação de quentinho e quietinho. Lógico que cada uma de nós tem um jeito diferente de sentir-se acolhida dependendo das situações e histórias de vida vivida e isso torna-se significativo para nós.. 

E eu diria que não são apenas significativas mas lembranças afetivas e cada uma de nós tem as particularidades. Tem pessoas que dizem que o natal, por exemplo, é uma época acolhedora e outras dizem o contrário. Estranho eu falar isso, mas na minha infância eu gostava muito do natal porque eu viajava para a casa dos meus avós e lá a família se reunia no frio de Curitiba. Quando me casei tentei manter as mesmas tradições, porém mesmo que eu tentasse, não eram as mesmas pessoas e nem as mesmas relações, e essas tentativas frustradas deu aos meus natais tons mais amargos.

Mesmo tentando mudar e construir novas tradições eu não me sentia acolhida. Tentei mudar as perspectivas e as formas de comemorar o natal por exemplo, viajando para lugares diferentes que a minha casa, mas eu não entendia porque me sentia vazia. Adoeci. E quando voltei de uma experiência de quase morte, quando voltei diferente de como  eu era, eu passei a querer viver um dia em um ano, fiz reflexões de quem eu era, o que eu queria e o que eu não queria para a minha vida.

Passei a me olhar com mais amor e nesse processo de vida eu digo que passei a me amar e a me acolher sem esperar que o outro me acolhesse porque essa responsabilidade não era minha, no sentido do outro não fazer por mim, mas na responsabilidade de fazer por mim era total e intransferível eu fazer por mim mesma (redundante mas necessária). Deste momento em diante, voltei à minha carreira solo, me redescobrindo por inteira e aos pedaços, aceitando as minhas limitações e as minhas marcas de vida, juntando meus pedaços como a técnica japonesa de restaurar cerâmica.

Descobrindo que a vida aos cinquenta só começa e não do zero porque antes dos cinquenta vivi quarenta e nove anos, com as minhas experiências sentidas e experimentadas. Com projetos, objetivos, medos mas me desafiando a todos os momentos, mesmo quando sinto medo.

Hoje fazendo os exames de acompanhamento oncológico, me sinto mais sensível, natural sentimentos de medo e insegurança de um tempo que tudo podia acontecer, mas de incertezas vivemos o tempo todo e nem por isso podemos e devemos ficar estacionados olhando a vida passar. Eu sempre digo que aconteça o que tiver que acontecer, eu prefiro estar num mar revolto do que sentada no cais vendo barcos indo e vindo.

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Quando eu estava fazendo educação infantil presencial, diferente deste ano de 2020, sempre fazia uma seleção de títulos literários com objetivos bem definidos, para trabalhar e desenvolver com as crianças questões do cotidiano, valores e conhecimentos.

E naquele ano em específico eu tinha separado um livro chamado O pote Vazio da escritora Demi. Uma história de entendimento muito subjetivo para uma criança de 4 anos, mas a vida é feita de desafios. Ao final da contação da história, uma criança levantou da roda, foi em minha direção e como seus dedos fossem uma pétala de flor, passando no meu rosto, ela olhou para mim e disse "Prô!! Como você é bonitinha, sorriu com carinho e saiu pulando pela sala!". Eu fiquei ali olhando aquela atitude como uma resposta.. "Eu entendi o que você contou...obrigada!". Aquela atitude foi tão subjetiva mas me tocou de uma forma inesperada.

Quando fomos ao parque, ela chamou outras crianças e juntas me trouxeram um presente. Uma panela cheia de areia e enfeitada com flores rosas e roxas que encontraram pelo chão. Me entregaram como se fosse o meu bolo de aniversário, e nem era, mas me presentearam dizendo, "esse pote não está vazio".

Perceba quanta delicadeza, quanto conteúdo, quanta subjetividade cada criança mostrava naquela experiência. Minha pergunta fica à você, quando essas crianças crescem aonde essas subjetividades vão parar? Quando somos crianças o adulto nos percebe porque nós não temos as ferramentas para nos tornar consciências das nossas necessidades, mas quando nos tornamos adultas e temos as ferramentas para tomar a consciência de nos tornarmos mais capazes de nós mesmas, o que fazemos? Esperamos que os outros nos acolha? Você vai me dizer que esse olhar é muito subjetivo, nessa avaliação. Porém quero que reflita sobre o movimento que os adultos fazem com as crianças, de tornar-se forte sem ser subjetiva. Quando colocamos nossas sensibilidades para dormir, colocamos o nosso querer bem a nós mesmas de lado e esperamos ser acolhidas por outras pessoas que não nós?? Por que esperamos que os outros nos acolha se nós podemos nos acolher?

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Nas duas experiências podemos dizer que tem muita diversidade mas o que falta é acolhimento de nós para nós. Porque então esquecemos que nós somos mulheres, poderosas, delícias, competentes, donas do nosso nariz, capacitadas e habilidosas (nem tanto), com sonhos e desejos, com vontades e quereres, não podemos nos acariciar, nos tocar, cuidar de nós mesmas, viajar sozinhas, ir ao cinema (quando pudermos), abrir uma garrafa de vinho e tomar como quisermos, quebrar regras, vestir ou não o que tivermos vontades, porque um ato de amor começa quando nos acolhemos nos nossos sonhos e desejos, nas nossas vontades realizando as coisas mais simples da nossa existência!!

Imagem baixada gratuitamente: Imagem de <a href="https://pixabay.com/pt/users/foundry-923783/?utm_source=link-attribution&amp;utm_medium=referral&amp;utm_campaign=image&amp;utm_content=865304">Foundry Co</a> por <a href="https://pixabay.com/pt/?utm_source=link-attribution&amp;utm_medium=referral&amp;utm_campaign=image&amp;utm_content=865304">Pixabay</a> https://pixabay.com/pt/photos/menina-bebida-ch%C3%A1-x%C3%ADcara-de-caf%C3%A9-865304/



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