Emílio Figueira: A vida requer escolhas!

Desci do vagão do trem chamado VIDA em setembro de 2018 buscando trilhar novos caminhos desde então. Acredito que a vida mostra novos olhares em novas perspectivas e a gente precisa atender aos chamados do Universo. Importante ao meu ver é manter-se em movimento sempre, percebendo as conexões com as pessoas enquanto caminhamos, tudo tem um motivo e em tudo tem um valor. 

Estando na educação, neste ano atípico de 2020, em isolamento social em busca da preservação da vida, vem surgindo oportunidades de conhecer pessoas fantásticas de carne, osso e deficiências, talvez se fosse na vida em cotidiano, nos chãos da escola, seria uma possibilidade em um trilhão para acontecer tal fato. Hoje como uma quarta-feira de formação à distância, a coordenadora pedagógica Elisângela da EMEI em que trabalho proporcionou um encontro por Google Meet, com a participação da professora Lucélia que trabalha na Sala de Recursos Multifuncionais na EMEF Josué de Campos com a ilustre participação de Emílio Figueira escritor com uma abordagem humanista, doutor em psicologia e cientista, bacharel em Teologia, professor e conferencista em educação inclusiva, artista e escritor com mais de 70 títulos publicados e prêmios conquistados; uma pessoa com deficiência que é. Nessa trajetória pessoal  vem enfrentando todo tipo de preconceito, pela segregação social porque mesmo com leis que incluem direitos, numa sociedade não em sua totalidade, que ainda não vê a inclusão como caminho para o desenvolvimento de todos; mas enfim, essa história me tocou de uma maneira bem singular.

Sou de uma família onde minha mãe sempre teve vontade de estudar história e dirigir mas por conta de viver uma época onde a mulher ficava em casa e o homem ia para o trabalho, ela foi impedida de fazer o que desejava e não teve forças para enfrentar tal situação de forma diferente. Mas essa história diz respeito ao meu pai que com 8 anos de idade teve febre reumática e naquele tempo de infância quando tudo era mais difícil que hoje, ter o tratamento adequado requeria tempo e dinheiro para viajar além de charrete e bonde, uma longa caminhada a pé. Foi uma vida de superações por conta dos derrames que teve e das sequelas que ficou deixando-o deficiente físico, em 1944. Nasci em 1970 em meio à ditadura, cresci como uma criança provida de alguns privilégios, cresci numa família "normal". Tive meus despreparos para enfrentar a escola e a crueldade das crianças tão diferentes de mim, por elas fazerem parte de um status social que não era o meu. Meus professores diziam que eu era muita quieta e orientavam meus pais à procurar uma psicopedagoga, mas por conta de poucos recursos e da falta de aceitação familiar e terem perdido uma filha, esse processo em aceitar que podia existir algo de "errado" comigo foi o motivo de me manter em segurança da sociedade. Para um médico que era o meu pai, perder uma filha foi uma grande lição, acredito que sim, trata-se da impotência da profissão mas ser deficiente não foi obstáculo para ele tornar-se médico, muito pelo contrário, era visto como um chamado do Universo. Ele enfrentou os desafios de quem ele era, da sociedade como um todo, a distância em estudar e morar longe de casa em um outro estado, sem se alimentar adequadamente entre outras questões por conta da situação financeira da época.

Mas eu nasci e ele o meu pai. Sua deficiência eu via mas ela era normal para mim. Eu ouvia comentários de colegas e de vizinhas "tenha paciência com o seu pai, ele tem suas limitações", aquelas falas não faziam sentido algum para mim. Ele era o meu pai e sua deficiência era apenas um detalhe que tornava o seu corpo diferente de todos os corpos das pessoas que eu conhecia. 

Na rua em que eu morava tinha uma casa onde morava uma criança com múltiplas deficiências e cadeirante. A família a mantinha dentro de casa, não sei dizer se ia à escola, mas a mãe passeava com ela na rua em horários de sol. Eu devia ter uns 5 anos quando subia a rua de mãos dadas com a minha mãe para pegar o ônibus com destino à AACD, onde fazia visitas periódicas por conta da palmilha da bota ortopédica. Lá também era um mundo paralelo onde pessoas com deficiência encontrava pessoas com deficiência como se somente lá pudessem compartilhar sua existência como única forma de integração social. Na época eu não via pessoas deficientes, pessoas cadeirantes ou de muletas, era algo raro de se ver. Lembro-me que tinha um homem com uma perna e muleta que usava na perna da calça dobrada, eu o encontrava às quartas-feiras na rua da feira quando ia com a minha mãe que entregava a ele um pacote com muitas caixas de remédio, que meu pai dava para o seu tratamento. 

Mas voltando à história do Emílio, tocou à memória como o menino do livro "Guilherme Augusto Araújo Fernandes", que morava ao lado da casa de repouso, que certa vez perguntou o que era memória e a cada resposta ouvida de um "velhinho" recolheu diversos objetos e os colocou numa caixa para mostrar aos idosos com o intuito de "tocar" as memórias das pessoas. Foi isso que a presença do Emílio fez comigo nesta manhã. O conheci hoje numa reunião à distância, quando entrei e vi o seu rosto, achei que estivesse na reunião errada..rs. Mas reconhecendo minha cp, sabia que estava no lugar certo e na hora certa. 

Tomamos consciência de muitos momentos, até dos que no presente pareciam ruins. Entendo que na vida vivemos momentos que nos traz consciência de quem somos, o que viemos fazer, qual o legado que queremos deixar, quais vidas queremos tocar. E nós que trabalhamos com a educação, e somos privilegiados por isso, somos em todos os sentidos inclusivos. Queremos que nossos alunos se desenvolvam, criamos expectativas nas ferramentas que utilizamos para que o nosso quase produto final, pelo menos até o final do ano letivo, tenha surtido efeito em todas as nossas chances de "tocar" no sentido de fazer a diferença na vida do aluno. 

Me lembro de uma vez que tive um aluno com baixa visão com um irmão gêmeo sem óculos, numa família consciente e parceira na evolução de seus filhos. Desde o dia que ele me conheceu e me reconheceu como sua professora, a família sentia prazer nele estar comigo como sua professora porque ele passou a contar tudo que fazia na escola, que até então não. Até o dia que a urina escapou e a mãe comentou  que ele nunca tinha feito xixi na roupa. E eu disse "ele esqueceu de ir ao banheiro porque a brincadeira com os amigos e amigas estava  prazerosa". Ele veio até mim e me abraçou pelas pernas; não precisava dizer mais nada, era o marco da confiança.

Sejamos deficientes em qualquer coisa que não seja perceptível aos olhos. Somos perfeitos para a sociedade? Quantas vezes fui imperfeita na maneira de falar, no jeito de decidir, numa tomada de decisão inadequada e mesmo assim fui censurada, fui interpretada erroneamente, fui julgada e isso ao meu ver me faz ineficiente. Somos todos deficientes em muitas coisas que não aprendemos a fazer de outra maneira que a que fazemos ainda. 

O que diferencia eu do outro é apenas a essência de cada um de nós pois a Educação Inclusiva deve começar na cabeça de cada um. Temos leis e direitos adquiridos porém nem todos em ação de fato como deveria ser. Eu defendo a Educação Inclusiva como maneira de crianças e jovens evoluírem com os diferentes. Sabe a história do pedra do caminho que se transforma em degrau e não obstáculo? A escola é esse caminho, uma escola para todos, acolhendo os diferentes e não segregando. A criança com deficiência deve estar no mesmo ambiente que a criança sem deficiência, por mais difícil que possa ser para o professor no ambiente da escola, ainda é o caminho de possibilidades.

Um caminho que não é linear, assim como a vida da gente, um caminho com obstáculos a ser vencidos e superado. O trabalho do professor também não é fácil, pelo contrário, é um caminho de inúmeros desafios que muitas vezes começa pela negação da família quando a escola pontua uma dificuldade da criança. A falta do diagnóstico por conta da dificuldade de aceitação por parte da família é o marco inicial que pode atrasar o desenvolvimento dessa criança. Aceitar que tem um filho ou uma filha com deficiência é um passo importantíssimo no processo dessa criança, porque conscientizar essas famílias vai muito além da criança ter uma deficiência.

Quantas vezes ficamos sabendo sobre a separação de casais por conta da não aceitação de um filho  deficiente? Lendo a publicação do Emílio Figueira sobre "Introdução Geral à Educação Inclusiva" me vem a história da minha trajetória de filha, de um pai que com limitações físicas foi eficiente na escolha de tornar-se médico quanto tornar-se meu pai.

Lendo a trajetória de Emílio Figueira parei em dois capítulos: "Uma vida com muitos caminhos" refletindo sobre a minha obra, a terceira e ainda a única em ebook aonde eu intitulei como "Um caminho e muitas escolhas"; acredito que de qualquer maneira as duas como escolhas legítimas; e  "Caminhando pelas Veredas da Educação Inclusiva - Tomando consciência de minha própria deficiência", tomando minhas referências pessoais e reflexivas deste percurso, penso que só nos damos conta de todas as nossas trajetórias, escolhas, conexões quando alcançamos certa maturidade. É sempre um privilégio olhar para trás podendo contar sobre as memórias da nossa vida, os caminhos que trilhamos, as pessoas que conhecemos e como as coisas aconteceram nesse panorama no diálogo conosco mesmos que é a grande sacada da vida. Quantos depoimentos de pessoas deficientes nós podemos ter relacionadas às superações? Inúmeros são os casos porque a deficiência não está na pessoa com deficiência, mas pode estar no jeito do outro te olhar, no julgamento, no atendimento daquele que deveria ter mais humanidade com quem deficiência.

A anos atrás conheci a Inês que tem um filho com deficiência. Tanto ela quanto a família sempre buscaram caminhos para que o Paulo pudesse desenvolver suas capacidades intelectuais e manuais. Por conta da deficiência dele, a Inês e o esposo criaram uma Oscip chamada Projeto Apia onde o Paulo é protagonista de sua história, criando o espaço e abrindo para outras pessoas com deficiência a oportunidade de ser inserido na sociedade por intermédio da cerâmica.

Veja que além deles existem outras instituições e pessoas humanas fazendo história. Eu estou esperando o chamado do Universo para algo maior, além de ser professora, psicóloga, escritora, eu sei que existem outras possibilidades em tornar minha deficiência limitante em um SER atuante socialmente, onde a deficiência dá lugar à eficiência por ser atuante. .

Emílio, agradeço ao Universo por ter conhecido você na manhã de hoje. Fiz uma viagem ao passado da minha própria existência. Minhas superações são diárias e internas na minha deficiência de ser. Todas as suas superações e o alcance de seus objetivos com os estudos, sua trajetória e determinação nessa escolha de vida foi fascinante.

Fontes de Pesquisa dia 7 de outubro de 2020
https://www.emiliofigueira.com.br/
https://drive.google.com/file/d/1w9q_ifIbp5Rjw2TK6p7MERtnIrhWeIhm/view

@emilio.figueira

Imagem: acervo pessoal com autorização das pessoas.





Comentários

  1. Olá Zaira quanta inspiração nós trouxe o generoso e grandioso Emílio, muito rico seu comentário que te levou a memórias afetivas e com certeza ampliou olhares para vida em transformação

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

O Turismo e a Claudinha

Autora

Vila das Borboletas